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06/07/2011, 18:26h | Notícias

Agência de Redes para a Juventude

Por Thiago Ansel

Se olharmos para o Brasil da última década, pensando na representação de suas periferias e, sobretudo, de suas favelas, não será difícil identificar o jovem como o personagem paradigmático destes espaços. Esta associação, ao contrário do que se possa supor, não é gratuita, mas se deve em muito ao fato de que, há pelo menos 10 ou 15 anos, a favela vêm sendo representada através de rostos, corpos, expressões verbais e dramas juvenis.

Na TV e nos jornais, onde persiste a representação das favelas como trincheiras de facções criminosas, são os jovens aqueles mais freqüentemente apresentados como desviantes – se não de fato, pelo menos, em potencial. No cinema brasileiro, os jovens favelados são das figurinhas mais fáceis e, há mais ou menos dez anos, chocam e entretêm na pele de protagonistas de filmes tão violentos quanto Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, e a linhagem de favela movies que o sucede.

Em todas estas representações, a juventude das favelas e periferias urbanas é em geral retratada por indivíduos não-oriundos destes espaços, aparecendo quase sempre conectada de forma virtual ou efetiva à criminalidade violenta. O mais surpreendente é que, de certa forma, esta interpretação do universo de possibilidades do jovem pobre veio sendo repetida por muitos daqueles projetos sociais e culturais voltados para a ampliação dos horizontes deste público.

Outro olhar para a juventude

Este ano, surge no Rio de Janeiro um projeto novo, também voltado para o jovem das periferias e favelas, mas que, entretanto, desloca a representação construída e reforçada sobre este grupo social, principalmente, ao longo da última década. Realizada pelo Instituto de Criatividade Social Avenida Brasil, com o apoio do Observatório de Favelas e patrocínio da Petrobrás, A Agência de Redes para a Juventude foi criada para que jovens de 15 a 29 anos, pudessem dar vida a projetos de intervenção em suas próprias comunidades. São 300 garotos e garotas, divididos em 6 territórios, nos quais já foram instalados UPPs: Borel; Chapéu Mangueira e Babilônia; Cantagalo e Pavão-Pavãozinho; Cidade de Deus; Batan; e Providência.

Ao ingressar na Agência, os jovens entram em contato com um conjunto de experiências no campo da cultura e da educação, que vão auxiliá-los na formulação de seus projetos de intervenção local. Estas experiências são também estimuladas por universitários – que os acompanham durante a semana em grupos de estudo, ajudando-os a amadurecer suas idéias – e por mediadores locais, que atuam na mobilização da comunidade para aderir às propostas. No fim do processo, serão selecionados dois projetos por comunidade, os quais receberão R$10mil cada, para implementação das ações previstas pelos “agenciados” – como os participantes se referem uns aos outros.

“Muitas das iniciativas voltadas para a favela vêm de fora e são programas que, além de não terem uma perspectiva de continuidade, trabalham muito com geração de trabalho e renda, formação técnica, ou mesmo numa perspectiva assistencialista, que é essa coisa de ocupar o tempo do jovem, como se o tempo ocioso dele fosse para se envolver com coisas erradas. Então procuramos superar essa ótica que vê o jovem como delinqüente, como ocioso e nos concentramos nas potencialidades deles nesses territórios”, explica Mário Pires, coordenador da área de educação da Agência.

O idealizador do Projeto, Marcos Faustini: “Dizer que o jovem de origem popular tem de trabalhar oito horas por dia, é o mesmo que condená-lo a ser pobre para o resto de sua vida”. Foto: Observatório de Favelas

O idealizador do Projeto, Marcos Faustini: “Dizer que o jovem de origem popular tem de trabalhar oito horas por dia, é o mesmo que condená-lo a ser pobre para o resto de sua vida”. Foto: Observatório de Favelas

Marcos Faustini, idealizador da Agência, sublinha que ultimamente os jovens têm sido tratados, na concepção dos projetos voltados para eles próprios, de forma equivocada. “Os últimos 15 anos deixam uma herança que compreende e trata o jovem de origem popular como aluno de projetos sociais que viriam ocupar o tempo deles, tirá-los do suposto ócio, e desviá-los do caminho de atividades ilícitas. Esta herança é produto de uma espécie de pactuação entre a sociedade civil e os governos, segundo a qual o jovem deveria ocupar o lugar de aluno a ser preparado para o mercado de trabalho. E isso acontece justo nessa fase de experimentação da vida do sujeito. Ou seja, neste momento, dizer que o jovem de origem popular tem de trabalhar oito horas por dia, é o mesmo que condená-lo a ser pobre para o resto de sua vida”, observa Faustini.

Jovens que criam

Viviane de Sales, 20, é uma dos 300 participantes da Agência. O projeto da jovem moradora da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, é instalar na favela o que chama de “Laboratório do Pensamento Livre”: espaço onde os moradores poderão exercer reflexões sobre o território e multiplicar as formas de intervenção local através da internet, jornal impresso e exposições fotográficas. Viviane explica que uma das intenções de seu projeto é valorizar o intelectual local. “Eu ouço falar de favela, de UPP nas universidades, mas os próprios moradores não falam”, diz a jovem, que explica o sentido da ação da Agência em áreas de UPP: “O processo de, entre aspas, pacificação é novo e a comunidade começa a apresentar novas demandas que ainda não estão bem definidas porque nasceram agora. A agência então estimula o jovem da própria comunidade a perceber essas demandas e intervir em seu próprio território para trabalhar estas novas necessidades”, esclarece com propriedade.

Cíntia Santana, 25, do Morro da Providência, no Centro, também participa da Agência. Atualmente, seu projeto consiste em inaugurar uma biblioteca e videoteca no morro, a qual funcionará, a um só tempo, como um centro de estímulo à leitura e à memória local. A jovem, no entanto, ressalta que independentemente de a proposta ser ou não selecionada, sua participação na Agência já valeu a pena. “Eu moro aqui, mas não fazia muitas coisas por aqui. Quando cheguei, era a única que não conhecia ninguém. A entrada na Agência fez a maior diferença porque eu conheci as pessoas da minha comunidade e elas são incríveis! E quando a gente conhece as pessoas, a gente acaba se descobrindo e se conhecendo melhor também”, avalia Cíntia.

Um dos principais objetivos da Agência de Redes para a Juventude, como o próprio nome diz, é inserir o jovem em redes – sejam elas locais ou não – que possam contribuir para que seus projetos de vida aconteçam. “A idéia da Agência é a de tirar o jovem do lugar da carência, pois o que mais há em favelas e espaços populares são jovens com mentes criativas. O que faltava a eles era a inserção em redes que facilitassem o desenvolvimento de sua criatividade”, acrescenta Marcos Faustini.

A jovem Viviane de Sales afirma que o mais importante é estar atenta ao papel fundamental dessas redes para concretização de criações e idéias. “O principal aprendizado com a Agência é a valorização das redes de parceria. É muito legal ter contato com pessoas, por exemplo, do Batan e de outros lugares. E até gente da minha própria comunidade com a qual eu antes não tinha contato”, conclui Viviane.

Daqui pra frente

No momento os jovens estão saindo da etapa em que passaram por um ciclo de estímulos e experiências e foram provocados a desenvolver seus projetos de intervenção local. Recentemente, os agenciados participaram de um encontro chamado “30 para 300”, um momento onde puderam trocar informações sobre seus projetos com 30 intelectuais da academia, cada qual de uma área específica do conhecimento. Haverá, em seguida, um encontro com uma série de técnicos, cujo papel é dar toques para que as propostas sejam aprimoradas.

Agência de Redes Para Juventude no Batan. Foto: Vinicius Freitas (ARJ)

Agência de Redes Para Juventude no Batan. Foto: Vinicius Freitas (ARJ)

Além de inserir os jovens nestas redes importantes para o desenvolvimento de suas idéias, a Agência trabalha com a perspectiva de contribuir para a formação de novas lideranças nas favelas e espaços populares. “É necessário superar essa coisa estabelecida nos movimentos sociais de que as lideranças têm de ter essa ou aquela idade”, sugere Faustini que fala em radicalizar ainda mais essa experiência de protagonismo: “O próximo passo é a realização de uma eleição onde os jovens escolherão um dos mediadores locais – que também são jovens – para ser o coordenador da Agência. Eu ficarei apenas como coordenador estratégico. Isso tudo tem um objetivo bem claro que é mudar a forma como são patrocinados e pensados os projetos voltados para a juventude”, finaliza o idealizador do projeto.

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