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03/08/2011, 15:18h | Direitos Humanos, Notícias

Chacina da Candelária: Respostas e desdobramentos

Por Rodrigo Nascimento

Há dezoito anos, na madrugada do dia 23 de julho de 1993, em frente à Igreja da Candelária no centro do Rio de Janeiro, um grupo formado por policiais militares e alguns cidadãos comuns abriu fogo contra setenta e duas pessoas, em sua maioria crianças e adolescentes, que ali dormiam. Vários foram feridos e oito morreram, dentre eles, seis adolescentes e dois jovens adultos, um de 18 e outro de 19 anos.

Esse crime bárbaro, que ficou conhecido como a Chacina da Candelária, chocou a população da cidade por sua brutalidade e covardia, causando uma grande comoção popular, mobilizando diversos setores da sociedade e alcançando repercussão nacional e internacional.

Por conta da visibilidade alcançada, o crime foi devidamente investigado, elucidado e a maioria dos autores envolvidos foram punidos. Além disso, foi construída em torno desse caso uma forte simbologia, sendo adotado por diversos movimentos sociais como um marco histórico da luta pelos direitos de crianças e adolescentes, pela valorização da vida e pelos direitos humanos.

Ainda hoje, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, instituições religiosas, dentre outros, realizam uma série de ações – atos ecumênicos, caminhadas e outras manifestações públicas – com o intuito de manter viva a memória desse crime absurdo e fortalecer as lutas em prol de uma sociedade fraterna, democrática, igualitária, com foco especial na forma como tratamos nossas crianças e adolescentes.

Ao analisarmos esse caso, suas implicações e desdobramentos ao longo desses dezoito anos, nos deparamos com inúmeras questões. No entanto, algumas nos saltam com maior vigor e urgência, em parte por sua própria intensidade, mas também pelo contexto político em que vivemos nos dias atuais.

Nesse sentido, um ponto a ser destacado é a constatação de que alguns desses eventos trágicos atuam no tecido social mobilizando-o e produzindo uma série de discussões e, em certa medida, avanços nas políticas públicas sociais.
Isso acontece, em boa medida, por conta da pressão exercida através do destaque dado pela mídia, pela repercussão alcançada e pelo clamor popular existentes, os quais produzem um constrangimento público dos governantes e dos órgãos governamentais diretamente responsáveis pelos setores envolvidos. A sociedade civil, através de suas organizações e movimentos sociais, aproveitando estrategicamente a visibilidade aberta pelos meios de comunicação, intensifica suas denúncias e sua pauta de reivindicações, forçando uma resposta imediata do Estado.

Diante disso, a agenda pública se reorienta no sentido de fazer com que sejam desenvolvidas ações voltadas para a promoção e garantia de direitos da população, no que se refere aos campos de atuação e competências governamentais.  Essa visibilidade e força política fazem com que algumas intervenções pré-existentes desenvolvidas pela sociedade civil sejam incrementadas, assim como ampliam a atenção para a questão e a gama de intervenções existentes. São disponibilizados recursos públicos e privados, além dos que usualmente advém de organismos de cooperação internacional, voltados para o financiamento de projetos e o investimento em políticas sociais que contemplem, preferencialmente, os territórios atingidos e/ou os sujeitos sociais diretamente atingidos pela violência.

Por conta de sua inegável brutalidade e magnitude, esses eventos atraem uma atenção intensa, porém momentânea, focalizada e dirigida para o caso em particular, o que contribui, de certo modo, para dificultar a compreensão e intervenção no contexto social em que estão inseridos.

Por conta de sua inegável brutalidade e magnitude, esses eventos atraem uma atenção intensa, porém momentânea, focalizada e dirigida para o caso em particular, o que contribui, de certo modo, para dificultar a compreensão e intervenção no contexto social em que estão inseridos.

Decerto esse tipo de postura ou procedimento estatal não causam nenhuma surpresa. Governos de qualquer lugar do mundo agem da mesma maneira, respondem contundentemente diante de episódios como esse. Mesmo o poder da mídia em pautar o poder público não se configura propriamente em nenhuma novidade ou uma exclusividade da política brasileira. Contudo, todo o problema reside justamente pelo descompasso entre a visibilidade alcançada por tais eventos em comparação com o grave quadro de letalidade de crianças, adolescentes e, principalmente, jovens vivenciado no país.
Por conta de sua inegável brutalidade e magnitude, esses eventos atraem uma atenção intensa, porém momentânea, focalizada e dirigida para o caso em particular, o que contribui, de certo modo, para dificultar a compreensão e intervenção no contexto social em que estão inseridos.

Na verdade, as chacinas deveriam ser analisadas como episódios diretamente implicados com o altíssimo índice de letalidade apresentado no país, procurando traçar os fatores relacionados que influem direta e indiretamente na existência e continuidade desse quadro trágico e inaceitável que, eventualmente, produz esses acontecimentos.

Ao abordarmos esses casos de maneira pontual, como se fossem acidentes de percurso ou eventos trágicos descolados da forma como usualmente se apresenta a realidade social, contribuímos, ainda que inadvertidamente, para sua propagação e continuidade.

Além disso, aparentemente, existem determinados critérios adotados, grosso modo, pela sociedade para produzir ou não uma comoção generalizada e um clamor popular. Em geral, muitas mortes rotineiras, diárias, ou “à conta gotas” , são banalizadas, não produzindo uma mesma reação das pessoas, que as encaram com certa normalidade e frieza.

Do mesmo modo, existem ainda chacinas e outros casos similares que não causam escândalo justamente por atingir certos grupos sociais marginalizados, aos quais não são conferidos a aura de inocência que envolve crianças e outros atores sociais.

Para além dessas mobilizações e desses focos de visibilidade pontuais e episódicos, portanto, precisamos da construção de políticas públicas de redução dos homicídios de crianças, adolescentes e jovens que atuem de forma integrada e permanente, com atenção especial para as nuances territoriais e para os sujeitos que se encaixam no perfil de mais alta vitimização.

Somente com esse enfrentamento direto, a partir de um esforço conjunto que abranja a sensibilização da sociedade como um todo para o problema e a mobilização do aparato institucional governamental em todos os níveis, da sociedade civil organizada e da mídia em geral, poderemos alcançar uma alteração desse quadro lastimável e revoltante.

E assim, por extensão, contribuir para que episódios como esse que completou dezoito anos não se repitam.

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