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01/02/2012, 16:15h | Notícias

Sinase sancionada

Por Cecília Olliveira

Foi sancionada em meados de janeiro, a lei 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). O texto regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que estejam em conflito com a lei. Após tramitar no Congresso Nacional por quatro anos, a lei entrará em vigor em 90 dias.

Sinase busca uniformizar, em todo o País, o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei e o processo de apuração de infrações cometidas estabelecendo medidas socioeducativas que devem ser adotadas.

Segundo a Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, atualmente, o país têm cerca de 18 mil jovens em regime fechado. Até 2010 havia um total de 435 unidades socioeducativas no país. Dessas, cerca de 60 foram construídas ou reformadas nos últimos cinco anos, já prevendo adequações ao Sinase.

De acordo com o diagnóstico feito pelos mutirões carcerários em pelo Conselho Nacional de Justiça em 2010, em vários estados foram encontrados adolescentes cumprindo pena em unidades prisionais destinadas a adultos. Só em Minas Gerais, eram mais de 200.

Assim, o Sinase vem para fortalecer o ECA ao determinar diretrizes mais objetivas para a execução das medidas socioeducativas evitando interpretações equivocadas de artigos do estatuto. “O desafio é tirar a lei do papel e colocar na prática. É muito importante a fiscalização”, enfatiza Irany Sousa, advogado e ex-presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo, entidade responsável pela execução das Medidas Sócio-Educativas de Internação e de Semiliberdade, determinadas pelo Poder Judiciário, a adolescentes autores de ato infracional no Rio Grande do Sul, um dos estados que se destacam na adoção de medidas garantidoras de direitos no trato deste público. Irany falou ao Programa da Redução da Violência Letal sobre a sansão da lei.

PRVL: O que muda no cenário do atendimento a adolescentes em conflito com a lei com a aprovação da lei?

O Sinase traz mais garantias para o sistema, acaba coma discricionalidade e com o “achismo”. Não tínhamos nada escrito sobre o modelo de internação e alguns direitos. Então o Sinase vem para qualificar mais o ordenamento, juridicamente no sentido da obscuridade, dos lapsos, deixando as coisas mais claras - Foto: José longhi

O Sinase traz mais garantias para o sistema, acaba coma discricionalidade e com o “achismo”. Não tínhamos nada escrito sobre o modelo de internação e alguns direitos. Então o Sinase vem para qualificar mais o ordenamento, juridicamente no sentido da obscuridade, dos lapsos, deixando as coisas mais claras - Foto: José longhi

Irany Souza: Mudam vários aspectos. O Brasil tem uma dificuldade na execução de leis. Tem um vácuo entre a norma e a prática. Dentro desta lógica, uma lei pouco alteraria. Então, diante contexto, temos a LEP (lei de execução penal), onde estão listadas várias leis, mas dentro disso, o que é executado? O ECA é de 1990, mas de fato o que é executado? Falta muita coisa ainda. O Sinase é um ordenamento jurídico. Fico temeroso quando se refere a execução. Ele traz mais garantias para o sistema, acaba coma discricionalidade e com o “achismo”. Não tínhamos nada escrito sobre o modelo de internação e alguns direitos. Então o Sinase vem para qualificar mais o ordenamento, juridicamente no sentido da obscuridade, dos lapsos, deixando as coisas mais claras. Ele tem a possibilidade de qualificar, trazer a padronização a questão da liberdade, sobre a qual não tinha quase nada escrito, sobre a saúde mental. É um avanço em muitos aspectos.

PRVL: O último levantamento do CNJ apontou casos de adolescentes cumprindo penas em presídios comuns, com adultos. Este panorama será alterado com o Sinase?

IS: O ECA foi instituído em 1990 e já vedava isso, embora ainda seja uma prática. O desafio é tirar a lei do papel e colocar na prática. É muito importante a fiscalização. A população tem o direito e a possibilidade de fiscalizar, de cobrar. Tem que qualificar a OAB, os Conselhos e exigir esta transformação. Sair o papel pra prática.

PRVL: De acordo com o SDH, o foco agora serão as medidas reparadoras, em detrimento da privação de liberdade. Qual o impacto disso na vida do adolescente?

IS: Dentro do contexto da justiça restaurativa isso se refere a reparar o dano que o jovem fez contra a sociedade, mas havendo uma repactuação dele com a sociedade. Sendo assim, não é Sinase que fará isso. Por outro ângulo, será que posso me reportar também a ausência do estado, da família, da educação nas camadas menos favorecidas da sociedade? Geralmente este adolescente o criança só é visto pelo estado quando ingressa no sistema socioeducativo. Quando ele passa a ser visto pelo estado, como é esta relação com do estado? O Sinase avança um pouco sobre este aspecto, ao enfocar que o jovem seja visto como sujeito de direitos. Ele não é um numero mais, não é só uma estatística. É um ser humano que tem uma família, num contexto de sociedade que precisa ser visto, reparado.

PRVL: O Sinase recomenda que a aplicação da pena seja individualizada, levando em conta condições como doenças, deficiências ou dependência química. Os estados tem estrutura para atender adolescentes com este discernimento?

IS: O ECA já dizia isso, ou seja, o Sinase não traz nada novo neste sentido. Se de 90 até hoje não foi feito assim, não é porque não havia previsão. No Rio Grande do Sul, por exemplo, existe o PIA (Plano Individual de Atendimento) que leva isso em consideração. Em Porto Alegre há o PROcempa (Centro de processamento de dados do município, de acesso restrito), onde é possível acessar os dados sociais dos jovens. É um banco com dados sociais do jovem e sua família. O técnico da Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) acompanha todo o histórico deles sem aquilo de o jovem ficar repetindo nome, endereço, nome de pais, em todo atendimento. Ele não é mais um. Falta cultura pra isso. Falta as pessoas entenderem a importância disso. O jovem é incluído neste sistema desde o primeiro dia de um atendimento na escola ou com drogas e álcool e isso influi nos outros atendimentos. É possível fazer um acompanhamento, o mapa é mais completo, há mais informações e o plano de atendimento é melhor, mais efetivo.

PRVL: Dentre as novidades do SINASE, está o direito a visita íntima para os adolescentes casados ou que tenham um relacionamento estável. O que isso representa dentro da garantia de direitos para o jovem e para sua ressocialização?

IS: Isso ajuda em vários aspectos. O ECA não vedava esta atuação, mas também não regulamentava. Esta situação é trabalhada desde 2002 no Rio Grande do Sul, há instalações para isso, mas nunca foram utilizadas. As pessoas não estavam convencidas de como isso podia se dar. As medidas socioeducativas são aplicadas para pessoas de até 20 anos, ou seja, não temos só crianças, temos jovens adultos. Tem gente com esposa e filhos, casados, com união estável. Esta consideração tem que ser ampliada. A questão da sexualidade tem que ser natural. É uma questão natural que tem que ser garantida. Se ele tem uma esposa e filhos e nós queremos que esse jovem tenha convívio em família, e não queremos que a internação atrapalhe esta família ou quebre seus vínculos, isso tem que ser garantido. Cada caso é cada caso. Cada um deve ser avaliado separadamente. Há casos, por exemplo, de garotas que tem menos de 18 anos, mas que tem filhos são casadas, ou tem uma relação estável. Isso envolve autorização dos pais. Nas unidades em que isso é instituído não há maiores problemas. Não vai virar um motel, como pensam alguns. As pessoas que fantasiam este tipo de coisas. Não é uma oferta de sexo livre. É uma avaliação feito de caso a caso, prudente, coerente, com foco na aproximação e consolidação dos laços de família.

PRVL: Alguns dos direitos estabelecidos pelo Sinase vão contra a bandeira da redução da maioridade penal, aclamada em alguns momentos especificos pela sociedade. Por que a redução da maioridade não resolveria o problema da violência?

IS: Em 2007 fiz um levantamento acerca de quantas pessoas cometeram crimes no Rio Grande do Sul, dentre crianças, adolescentes e adultos que ingressaram nos sistemas do estado. O índice de crianças e adolescentes cumprindo pena no RS equivalia a 0,49% do total. Quem comete mais crime? Mesmo assim pensam na redução da maioridade, mas as pessoas não pensam nas seguintes coisas: 1) existe atendimento adequado de ressocialização para os adultos? 2) Reduzir a maioridade e encarcerar o adolescente mais cedo vai fazer com que ele se ressocialize? 3) Se fosse seu filho, e ele cometesse um erro, você gostaria que ele fosse castigado ou que ele não cometesse mais erros? Se for meu filho, quero que ele não cometa mais erros, se for filho dos outros, quero que ele seja castigado. Se contarmos 100 pessoas presas em flagrante, direcionadas ao presídio central e a FASE, no fim de 30 dias, como estarão as coisas? Das direcionadas ao presídio ficam uns 40, na FASE, 60. No fim de 60 dias não sobram nem 10 no presídio, mas restam cerca de 45 na FASE. Ou seja, os adolescentes são muito mais punidos que os adultos. Pela lógica então, se quer que os adolescentes sejam presos mais cedo, mas que voltem mais cedo pra casa? Se um filho seu comete um crimes você quer que ele vá para o presídio central e volte pra casa o quanto antes?

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