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01/08/2012, 22:34h | Notícias

Infância e Consumo

Por Cecília Olliveira, Silvana Bahia e Victor Viana

“Mãe, compra?” Essa frase é repetida mais de cinco vezes em menos de meia hora por Mariana Costa, de nove anos. No pequeno percurso que faz com a mãe Cristiane Costa, a criança pede para que a mãe compre coisas variadas que vão desde uma pipoca a um filhote de cachorro quando passa em frente a um pet shop.

A maior parte das crianças só consegue entender plenamente o caráter persuasivo da publicidade aos 12 anos. Foto: Internet

A maior parte das crianças só consegue entender plenamente o caráter persuasivo da publicidade aos 12 anos. Foto: Internet

Essa “necessidade” de pedir é recorrente para a maioria das crianças. Independente da classe social, a propaganda presente nos meios de comunicação atinge de forma arrebatadora qualquer criança. O consumo, principalmente na infância tem sido alvo de críticas e debates por grande parte da sociedade. Não apenas por conta do caráter excessivo desse consumo, mas principalmente pelo estilo de vida que essa prática propõe.

O Instituto Alana, organização sem fins lucrativos criada em 1994, tem como um de seus principais eixos, o projeto “Criança e Consumo” que visa conscientizar a sociedade de forma crítica sobre o consumo demasiado na infância e suas conseqüências. Nessa perspectiva, o Instituto editou uma série de livros e materiais audiovisuais educativos que abordaram os impactos negativos do consumismo infantil.

As publicações versam sobre estresse familiar, sustentabilidade, juventude e bebidas alcoólicas, erotização precoce e exploração sexual infantil, transtornos alimentares e obesidade infantil, violência e a importância de brincar. Os profissionais envolvidos são psicólogos, educadores, advogados, comunicólogos, todos com o propósito de pensar e desenvolver estratégias que fortaleçam o censo crítico da sociedade em relação às propagandas voltadas para o público infantil.

Pai: Esse desejo da criança de consumir está diretamente ligado a babá dos dias de hoje, a televisão, onde a criança só recebe e não troca. Foto: Nivea Patrocinio Almeida

Pai: Esse desejo da criança de consumir está diretamente ligado a babá dos dias de hoje, a televisão, onde a criança só recebe e não troca. Foto: Nivea Patrocinio Almeida

Para o fotógrafo Davi Marcos, pai de Marcos Eduardo Fernandes, de nove anos, o consumismo infantil faz parte da época em que vivemos. “Nos anos 80, quando eu era criança, não existiam tantas possibilidades de brinquedos, fast foods, entre outras coisas. Atualmente as crianças são interceptadas pela propaganda nos desenhos infantis, nas rodas de conversas na escola, na rua. Esse desejo da criança de consumir está diretamente ligado a babá dos dias de hoje, a televisão, onde a criança só recebe e não troca”, afirmou Davi, que adotou algumas estratégias para mostrar ao filho outras formas de brincar e de comer, para além do que sugerem as propagandas e os programas infantis da televisão.

Marcos Eduardo, filho do fotógrafo, diz que o mais o atrai nos fast foods são os brinquedos que acompanham o lanche. “O sanduíche não é bom. É sem gosto. Gosto muito mais do brinquedo que vem. Sempre prefiro apenas o brinquedo”, Marquinhos, como é carinhosamente chamado pelos pais.

Em Florianópolis, a lei municipal nº 8985 promulgada em 25 junho deste ano pelo prefeito Dário Berger (PMDB) proíbe redes de fast foods de comercializarem lanches acompanhados de brindes. Em Belo Horizonte, uma lei similar foi aprovada pela câmara dos vereadores no ano passado mais foi vetada no mesmo ano. Mária Lúcia Scarpelli (PC do B), autora do projeto de lei, conseguiu aprovar outro projeto onde o consumidor tem a opção de adquirir separadamente o brinde.

Consumo e lei

A falta de um órgão público para regular a publicidade no Brasil é o que dificulta a aprovação da lei 5.921, que tramita na Câmara Federal desde 2001. O projeto de lei tem como plano proibir qualquer tipo de publicidade, principalmente em rádio, televisão e internet, de produtos e serviços direcionados à criança, no horário das 7 às 21h.

O projeto “Criança e Consumo”, do Instituto Alana, vem desde 2006 acompanhando os debates sobre a lei.  Para eles é fundamental regulamentar uma publicidade direcionada para o público infantil, um grupo muito mais vulnerável.

“A maior parte das crianças só consegue entender plenamente o caráter persuasivo da publicidade aos 12 anos. As crianças devem ser protegidas e aprender a lidar com o consumo sempre com a mediação de adultos. A criança, portanto, nunca deve ser alvo de uma publicidade. Por isso, é preciso que o adulto faça a mediação dessa relação de consumo e a publicidade deve ser direcionada aos pais – e isso seria o ideal. Toda publicidade que fala diretamente com a criança, sem intermediação do adulto. Nós entendemos que esse tipo de publicidade é antiética porque fala com um público que ainda não está preparado para receber mensagens comerciais de forma crítica e consciente”, diz a diretora de Defesa e Futuro do Instituto Alana, Isabella Henriques.

Segundo o Ibope, até os 11 anos, crianças assistem mais ou menos 5h de televisão por dia. Além disso, outras pesquisas apontam que é a partir dos 12 anos que elas conseguem diferenciar o que é programa de televisão e publicidade.

Para Isabella Henriques “a maior parte das crianças só consegue entender plenamente o caráter persuasivo da publicidade aos 12 anos. As crianças devem ser protegidas e aprender a lidar com o consumo sempre com a mediação de adultos. A criança, portanto, nunca deve ser alvo de uma publicidade. Por isso, é preciso que o adulto faça a mediação dessa relação de consumo e a publicidade deve ser direcionada aos pais – e isso seria o ideal”.

No artigo “Consumismo infantil, um problema de todos”, o Instituto Alana alerta, “as crianças são um alvo importante, não apenas porque escolhem o que seus pais compram e são tratadas como consumidores mirins, mas também porque impactadas desde muito jovens tendem a ser mais fiéis a marcas e ao próprio hábito consumista que lhes é praticamente imposto”.

O Projeto de Lei 5921/2001, proposto pelo deputado Luiz Carlos Hauly, completou dez anos no final do ano passado. A proposta, que proíbe a publicidade dirigida a crianças e regulamenta a publicidade dirigida a adolescentes, tem um longo caminho em sua tramitação.

Recentemente, no início do mês de julho, o PL foi debatido na Comissão de Ciência Tecnologia Comunicação e Informação (CCTCI), com destaque para a inédita participação de um coletivo de mães e pais em uma audiência pública sobre o tema qualificou o debate e trouxe um ator fundamental para discutir uma legislação que visa proteger a infância. O relator do PL na CCTC deputado Salvador Zimbaldi sinalizou que deve entregar seu parecer na primeira quinzena de agosto/2012.O processo pode ser acompanhado aqui.

“A criança é frágil e que as mensagens comerciais dirigidas a elas são cuidadosamente elaboradas com base em pesquisas que detectam os pontos mais vulneráveis do público infantil. Isso, somado à frequência com que as mensagens são repetidas, surte o efeito desejado pelo marketing que é o de induzir as crianças a amolarem os pais. Por isso os pais não podem vencer o bombardeio de publicidade dirigido a seus filhos sem ajuda do Estado e sem o compromisso ético das empresas”, enfatiza Isabella.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR – já possui uma resolução que fala sobre os cuidados com a criança, no momento da criação publicitária. Mas não passa de uma simples recomendação.  Quando alguém descumpre a regra, o comercial é tirado do ar, já tendo, porém, alcançado ampla circulação entre os meios de comunicação.

Isabella lembra que a proteção da infância nesse sentido deve ser compartilhada. “Os pais têm o dever de impor limites e incentivar a reflexão (do tipo, “por que preciso de mais um par de tênis” ou “será que eu serei mais feliz se comprar mais um brinquedo?”); as empresas têm o dever de agir de forma ética e não direcionar apelos para o consumo às crianças – o direcionamento de mensagens comerciais deve ser feito aos adultos, sempre –, e o Estado tem o dever de garantir um ambiente minimamente regulado, com políticas e leis que tratem da questão e estabeleçam regras claras”.

Hoje, o Projeto de Lei tramita na comissão de ciência, tecnologia, comunicação e informática (CCTCI).  No mês de maio, foi realizado um seminário para ouvir a sociedade a respeito da proposta, que contou com a presença de empresários, publicitários, órgãos que defendem a infância e o consumidor, entre outros. O evento servirá de subsídio para que o relator do PL na comissão, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT/SP), monte seu voto.

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