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06/06/2012, 21:07h | Notícias

Anistia Internacional e o compromisso do Brasil com os direitos humanos

Por Raika Julie Moisés

As Unidades de Polícia Pacificadora, os megaeventos e o impacto das grandes obras na cidade são os principais focos de atenção da Anistia Internacional no Brasil, que recentemente escolheu o Rio de Janeiro para ser sede de seu primeiro escritório fora de Londres.

Nesta entrevista concedida logo após o lançamento do relatório Informe 2012 – Anistia Internacional: O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, o diretor executivo da organização, Atila Roque, afirma que “o país precisa reforçar a sua contribuição na promoção dos Direitos Humanos, em especial, no que se refere ao cumprimento de uma agenda de ações práticas que dialogue com a cidadania, democracia e justiça social”.

Atila Roque, diretor executivo da anistia Internacional no Brasil

Atila Roque, diretor executivo da anistia Internacional no Brasil

Sabe-se que a Anistia Internacional desenvolve há alguns anos diversos trabalhos no Brasil, inclusive, ações em parceria com instituições brasileiras já reconhecidas. A que se deve o fato desta organização se instalar fisicamente no país agora? Fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais contribuiu para esta decisão?

A Anistia Internacional está passando por um momento de profundas mudanças. É um momento dinâmico e importante para a organização, no qual procura reforçar a voz internacional dos direitos humanos no Sul, com o objetivo de que todos e todas possam participar do movimento mundial de direitos humanos. A AI nunca deixou o Brasil, trabalhou no Brasil e sobre o Brasil, desde o início da organização. Entretanto, o novo escritório reflete a combinação deste novo modelo somado ao fato de o Brasil estar no seu momento de expansão, tanto econômica quanto cultural, social e internacionalmente. Assim, é fundamental assegurar que brasileiros e brasileiras possam contribuir para nossa mensagem global na defesa e promoção dos direitos humanos. É importante que o Brasil reforce sua contribuição na promoção dos direitos humanos, tanto aqui como no mundo inteiro. É significativamente importante também que a Anistia esteja presente no País para ouvir, aprender e participar dos processos nacionais que estão ocorrendo todos os dias. Dessa forma, estará mais perto das vítimas, mas também dos movimentos de direitos humanos que tem crescido e se fortalecido muito nos últimos anos.

Recentemente, a Anistia Internacional lançou o Informe 2012 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo. No que se refere ao Brasil, das principais violações  de Direitos Humanos identificadas pelo Relatório, quais delas afetam diretamente adolescentes e jovens no país?

A violência letal, especialmente aquela que atinge jovens negros moradores das periferias e favelas das regiões urbanas. Os jovens estão sendo mortos em uma escala absolutamente inaceitável, quando comparado com outras parcelas da população. Isso em um país onde se perdem quase 50 mil vidas por ano vítimas de homicídio. E são os adolescentes e jovens do sexo masculino, entre 15 e 25 anos, que compõem a parte mais significativa dessa estatística. Conforme apresentado no Mapa da Violência, levando em conta o tamanho da população, a taxa de homicídios entre os jovens passou de 30 (em 100 mil jovens), em 1980, para 52,9 no ano de 2008. Isso evidencia, de forma clara, que os avanços da violência homicida no Brasil das últimas décadas tiveram como motor exclusivo e excludente a morte de jovens. No restante da população, os índices até caíram levemente. A violência institucional, em particular da polícia, segue sendo um fator de grande preocupação para a Anistia Internacional, pois contribui não apenas para a vitimização letal dos jovens e adolescentes, mas também para a reafirmação do estigma e manutenção de uma rotina de violência que aliena a polícia em relação às comunidades onde atua. Precisamos investir em uma outra concepção de segurança pública, desmilitarizada, garantidora de direitos para toda a sociedade, sem exceção, submetida ao controle externo, com forças policiais bem preparadas, capacitadas tecnicamente, bem pagas e valorizadas pela sociedade. Para isso, o primeiro passo é combater e punir exemplarmente a violência e a corrupção policial.

Qual a avaliação que a Anistia Internacional faz sobre os homicídios de adolescentes e jovens no Brasil?

O Brasil convive, tragicamente, com uma  espécie de “epidemia de indiferença”, quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratado como uma verdadeira calamidade social. Esses jovens em risco são submetidos cotidianamente a um processo que os transforma em ameaça, os desumaniza, viram “delinquentes”, “traficantes”, “marginais” ou, às vezes, nem isso, apenas  “vítimas” de um contexto de violência e discriminação ao qual a sociedade prefere virar às costas e olhar para o outro lado, com raras exceções. Isso ocorre devido certa naturalização da violência e a um grau assustador de complacência do estado em relação a essa tragédia. É como se estivéssemos dizendo, como sociedade e governo, que o destino desses jovens já estava traçado. Estavam destinados à tragédia e à morte precoce, violenta porque nasceram no lugar errado, na classe social errada e com a cor da pele errada, em um país onde o racismo faz parte do processo de socialização e do modo de estruturação do poder na sociedade. Esses jovens são submetidos constantemente a um processo que os transforma em ameaça, os desumaniza, viram “delinquentes”, “traficantes”, “marginais” ou, às vezes, nem isso, apenas uma “vítima” de um contexto de violência e discriminação em relação ao qual a sociedade prefere virar às costas e olhar para o outro lado, com raras exceções. É preciso quebrar esse padrão de violência e indiferença. É preciso conhecer a história desses jovens e compreender que o país está perdendo o melhor da sua juventude. Precisamos criar alternativas, abrir canais de conversação na sociedade sobre essa tragédia, combater a violência armada, inclusive policial, sem tolerância com a corrupção e com instrumentos de participação e controle cidadão sobre o desenho e implementação das políticas públicas. E o mais importante, reconhecer que isso é uma questão nacional, um problema do estado e do conjunto das políticas públicas, não apenas de segurança.

Que políticas de enfrentamento ao homicídio de adolescentes e jovens no Brasil estão entre as estratégias fundamentais propostas  pela Anistia Internacional?

Acreditamos que, antes de mais nada, é preciso enfrentar as causas imediatas da violência letal contra os jovens, seja aquela decorrentes da socialização  violenta pelo crime – situação em que muitos desses jovens se encontram devido ao controle do território em que vivem pelo tráfico ou gangues criminosas -, seja aquela executada por grupos de extermínio ou policiais. Recuperar para o estado o controle dos territórios sob domínio de grupos armados e reformular as polícias são aspectos fundamentais de uma estratégia emergencial de redução da violência letal de adolescentes e jovens. No médio e longo prazo, o investimento massivo em educação e cultura é fundamental, mas não apenas a partir de uma perspectiva formal, mas valorizando as expressões culturais e saberes construídos a partir da vivência desses próprios jovens e das comunidades nas quais se encontram inseridos. Muitos se referem a isso como “cultura de periferia”, mas eu prefiro falar simplesmente de cultura, na sua diversidade de expressões e não apenas aquelas que ressoam junto aos estereótipos que a sociedade e os meios de comunicação costumam incorporar como sendo a expressão cultural “da periferia”. De resto, levar o estado de direito a todos os lugares e pessoas, sem exceção, e dirigir o investimento público para onde mais precisa, com políticas efetivas de redução das desigualdades, combate à pobreza e geração de empregos e oportunidades para os jovens, é fundamental na afirmação de uma cultura do direito, efetivamente, generosa e universal, incompatível com os processos de segregação e exclusão social com o qual ainda convivemos no Brasil.

Quais os temas que terão destaque no trabalho desenvolvido pela Anistia aqui no país?

É importante sublinhar que a agenda de direitos humanos é necessariamente uma agenda que dialoga de uma forma muito próxima da agenda de cidadania, democracia e da justiça social. Nesse sentido, os temas prioritários para Anistia no Brasil serão a questão da segurança pública, a reforma da polícia e a violência letal, inclusive a situação prisional. Uma outra área que definimos como prioritária é aquela vinculada à violação do direito humano à moradia. Despejos são práticas ilegais que várias populações em situação de risco sofrem como consequencia do redesenho e a reformulação do espaço urbano, à luz dessas grandes iniciativas de reformas decorrentes dos megaeventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Anistia Internacional está muito preocupada com o impacto que essa grande intervenção urbana vai causar sobre a vida das pessoas, principalmente aquelas que estão em situação de maior vulnerabilidade devido à pobreza e às desigualdades sociais.  AI no Brasil também prestará atenção à questão indígena e às consequências sobre as comunidades locais dos projetos de infraestrutura e desenvolvimento, como a Usina de Belo Monte, no Pará. Também dedicaremos atenção à política externa brasileira e ao posicionamento do país em relação a violações de direitos em outras partes do mundo.

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