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03/05/2011, 16:16h | Direitos Humanos

Justiça Restaurativa

Mudança de paradigma. É assim que a Juíza do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, Lilian Paula Franzmann, define Justiça Restaurativa. Em suas próprias palavras, este novo jeito de fazer justiça, sai da visão de que o réu é uma “entidade maligna” e o enxerga agora como alguém dotado de sentimentos e de uma história. Aplicada no Rio Grande do Sul desde 2005, a Justiça Restaurativa tem por base a comunicação não violenta, não estereotipada e anda de mãos dadas com as escolas da região, buscando solucionar conflitos através de ações mais próximas do cidadão e mais atenta às suas necessidades.

Além do Rio Grande do Sul, cidades de São Paulo e do Distrito Federal têm se destacado ao lançar mão da Justiça Restaurativa. Ela ainda é vista com cautela pelo Sistema de Justiça e exatamente por isso delegada a outros espaços, como a escola, embora seja uma prática mais alinhada aos direitos estabelecidos por lei a crianças e adolescentes.

A Juíza Lilian: "é uma uma mudança de paradigma, mas o sistema de justiça, ainda vê com preconceito ou, pelo menos, com muita cautela essa nova forma de fazer justiça". Foto: Arquivo pessoal

A Juíza Lilian: "é uma uma mudança de paradigma, mas o sistema de justiça, ainda vê com preconceito ou, pelo menos, com muita cautela essa nova forma de fazer justiça". Foto: Arquivo pessoal

A Juíza especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Escola Superior do Ministério Público, Lilian Paula Franzmann, falou ao PRVL sobre esta prática inovadora. Confira a entrevista.

Um relatório da UFBA detectou que medidas de internação são aplicadas com mais freqüência que as demais. A justiça restaurativa é o contrário disto. Qual o impacto desta mudança de pensamento?
Trata-se de uma mudança de paradigma. Da responsabilidade passiva para a responsabilidade ativa. Da punição para a restauração. Do réu como uma “entidade maligna” para alguém dotado de sentimentos e de uma história. O sistema de justiça, todavia, ainda vê com preconceito ou, pelo menos, com muita cautela essa nova forma de fazer justiça e, por isso, as práticas têm sido mais adotadas e melhores aceitas em cenários que antecedem a transformação do ato em processo, como, por exemplo, nas escolas.

Que impacto a aplicação de uma medida restaurativa pode ter na vida de um adolescente?
Dentre tantos impactos, a justiça restaurativa possibilita o desenvolvimento, no adolescente que praticou o ato de violência, do sentimento de responsabilidade ativa, permitindo que ele compreenda seu erro e aja no sentido de repará-lo, sem que para isso precise ser excluído do seio da comunidade onde vive. Ou seja, não é um terceiro (juiz, promotor ou responsável legal) que determina ao adolescente que ele é responsável por aquele ato, mas ele próprio o conclui, através da exposição de seus sentimentos e sua história. Além disso, a justiça restaurativa e suas práticas visam restabelecer o apoio social e o sentimento de solidariedade ao proporcionar a reunião de pessoas significativas ao ofensor e à vítima, aproximando a família e a comunidade da Escola e construindo um compromisso de todos pela mudança.

Como é a comunicação não-violenta, metodologia aplicada na Justiça Restaurativa?
Nas práticas restaurativas, torna-se crucial o emprego de uma comunicação não-violenta, caso contrário, trilharíamos o mesmo caminho de estigmatização e julgamento do sistema da justiça retributiva. Se, nos círculos restaurativos dentro de uma escola, por exemplo, não se tomar muito cuidado e atenção com a linguagem empregada, corre-se o risco de transformar o círculo em um “tribunal” que acabará por gerar mais revolta e conflito. A escuta e os sentimentos são valorizados e um dos resultados mais claros e imediatos são o de “desarmar” a briga e tornar as pessoas mais empáticas, mais sensíveis e propensas á conciliação.

Em parte de seu trabalho, você afirma que devido a “ausências de toda ordem, o aluno também se sentia vítima da Escola, seja por sofrer agressões de outros colegas, seja pelo tratamento dispensado por professores e Direção”. Como a escola e a Justiça podem trabalhar o conjunto de situações que formam o aluno?
A escola é o espaço propício para trabalhar valores e as práticas restaurativas – baseadas em valores como perdão, empatia, humildade, esperança, amor – facilitam essa abordagem e o desenvolvimento das potencialidades do aluno, o conhecimento da sua história e suas peculiaridades. A Justiça não está preparada, da forma como está estruturada, para reconhecer e lidar com essas diferenças. A justiça da infância e juventude, em razão da doutrina da proteção integral recepcionada pelo ECA, tem um pouco mais de condições de lidar com as peculiaridades do sujeito, mas ainda assim com as limitações impostas pelo processo e suas regras.

O modelo educacional brasileiro colabora, em alguma medida, para a violência escolar?
Não diria que o modelo educacional colabora ou potencializa a violência no seu meio, mas acredito que é preciso uma modernização do modelo educacional existente para se adaptar às necessidades atuais das crianças e adolescentes, tornando a escola um ambiente acolhedor e atraente para o seu público alvo. Discordo totalmente daqueles que entendem que as crianças e adolescentes de hoje são “piores” do que “nós” éramos quando crianças.  Creio que as crianças e adolescentes de hoje exigem muito mais dos pais e seus educadores, exigem explicações, coerência, honestidade. Não aceitam mentiras, enganações ou argumentos “furados”. E isso exige muito mais dedicação, estudo e paciência por parte dos pais e educadores. Além disso, ainda que com as dificuldades que o modelo educacional atual tem em acompanhar o avanço da nossa juventude, a Escola, comprovadamente, continua sendo um fator de proteção importante para as crianças e adolescentes.

As escolas estão preparadas para lidar com a violência, seja ela advinda do bullying ou grupos rivais, por exemplo?
Algumas escolas, na maior parte das vezes por iniciativa própria e sem apoio da respectiva secretaria de educação e poder público e, mais comum ainda, por iniciativas isoladas, conseguem criar alternativas interessantes, baseadas na cultura da paz, valores e protagonismo juvenil, para enfrentar a violência em seu ambiente. Na sua maioria, todavia, as escolas não estão preparadas para lidar com o bullying e outras formas graves de violência. Os professores se sentem amedrontados e simplesmente não sabem o que fazer. As escolas também não recebem o apoio adequado do poder público no sentido de incentivar e criar programas de enfrentamento de tais violências.

Há um movimento político para criminalizar o bullying. Isso resolveria, em alguma medida, a violência nas escolas?
Sem dúvida não resolveria. A minha prática como Juíza da Infância e Juventude me mostrou que a judicialização dos conflitos escolares fomenta o conflito, aumenta a evasão escolar, não restaura a paz e nem conserta o relacionamento prejudicado pelo ato de violência. Se a escola é, por consenso, um espaço de convivência, o investimento deve ocorrer na escola e pela escola com o apoio da sociedade e poder público para implementação de uma cultura de paz onde os sentimentos sejam valorizados e qualquer ato de violência, desde o simples ato de indisciplina ou deboche seja imediatamente identificado e enfrentado pela escola com intervenção rápida e voltada para o diálogo entre os envolvidos e suas famílias para o resgate da harmonia.

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