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05/10/2011, 17:12h | Direitos Humanos, Notícias

Tráfico de pessoas

Por Thiago Ansel e Silvana Bahia

Assunto central de filmes como “Anjos do Sol” (2006) e “Tráfico Humano” (2005), ou tema secundário de produções como, o indicado ao Oscar, “Crash, no limite” (2004) ou o recente “Biutiful” (2010), o tráfico de pessoas é um crime em torno do qual paira uma série de fantasias e lendas urbanas.

Na realidade os casos de tráfico se apresentam de diferentes formas, variando entre situações da mais absoluta brutalidade e histórias em que a vítima se vê enredada por sofisticadíssimas técnicas de engano. Assim, as características deste crime podem se assemelhar àquelas das representações já “consagradas” pelo cinema – onde as vítimas, geralmente, são privadas de liberdade por grilhões, cadeados e trancas; mas também sob roupagens aparentemente mais sutis – e nem por isso menos danosas – nas quais a vítima é convencida de que o modo como vive é o único ou o melhor para se trabalhar fora de seu local de origem.

O fato é que no mundo o tráfico vitima cerca de 2,5 milhões de pessoas a cada ano. Da exploração delas – através da adoção ilegal, escravidão, tráfico de órgãos e exploração sexual – a prática criminosa movimenta uma quantia estimada em US$ 34 bilhões de dólares anuais. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), as mulheres representam 66% das vítimas e em 79% dos casos, o tráfico se dá para fins de exploração sexual.

De acordo com Dalila Figueiredo, advogada e assistente social da Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (ASBRAD), que é também uma das responsáveis pela implantação do Posto de Atendimento Humanizado a Deportados e Inadmitidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, há situações tão sutis que a própria vítima não reconhece que seus direitos foram violados.

“Se a pessoa não tiver a percepção de que seus direitos foram violados, ela não acha que é trafico. Muitas mulheres que a gente atendeu não se consideravam vítimas. Agora, outra coisa é a questão da autonomia das mulheres. Atualmente, se, por exemplo, uma prostituta receber ajuda de alguém para ir para o exterior e lá continuar atuando como prostituta, essa ajuda que ela obtém, de acordo com o artigo 231 do Código Penal, é promover ou facilitar a saída de alguém que vá exercer a prostituição, ou outra forma de exploração sexual, no estrangeiro. Aí a autonomia das mulheres não é levada em conta”, opina a advogada.

Sobre a atual forma do artigo 231 do Código Penal, outros especialistas no assunto concordam que ela contribui para que a questão do tráfico de pessoas permaneça recoberta de preconceitos. É o que pensa a advogada do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio (SEASDH), Alessandra Page. “É como se a prostituição fosse necessariamente relacionada ao tráfico de pessoas, aparecendo inclusive de forma criminalizada. Frise-se que o exercício da prostituição é reconhecido como uma profissão autônoma pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Crime é a exploração da prostituição alheia e a exploração sexual de crianças e adolescentes”, esclarece Page.

A socióloga Danielle Figueiredo, da ONG Sodireitos, que atua no enfrentamento ao tráfico de pessoas na região amazônica, ressalta que o crime é caracterizado pelo transporte, exploração de trabalho, por meio de qualquer tipo de engano ou coação. Danielle observa também que, para a justiça, pouco importa se a vítima concordou com a proposta do aliciador. “O consentimento da vítima é irrelevante para se configurar juridicamente o crime de tráfico de pessoas. Pois, nenhuma pessoa concede ser objeto de violência, de exploração, enfim, de violações de direitos humanos. Não importando se ela sabe que atividade vai desenvolver no mercado de trabalho em outro lugar”, destaca a Socióloga.

A advogada Dalila Figueiredo chama atenção para a diferença entre tráfico e contrabando de pessoas, onde o primeiro é um crime contra um indivíduo, enquanto o segundo constitui crime contra um Estado. “O contrabando acontece quando alguém decide entrar num outro país de forma ilegal, contando, geralmente com a ajuda de um ‘atravessador’. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa pratica é considerada ilegal. Já no Brasil é irregular, mas não uma ilegalidade”, distingue.

Uma prática antiga

O tráfico de pessoas não é um assunto novo em nossa sociedade. Basta lembrar do tráfico negreiro. Iniciado no século XVI e interrompido somente na metade do XIX, o transporte de homens e mulheres para exploração de sua mão-de-obra trouxe conseqüências que perduram até hoje.

Na contemporaneidade, há quase 10 anos, realizou-se aqui a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil, conhecida como Pestraf. O estudo, dos mais impactantes até hoje no que diz respeito à produção de dados sobre o tema, detectou a existência de, nada mais nada menos que 241 rotas internas e internacionais para o tráfico.

No Brasil, desde 2006 foi aprovada, por meio do decreto n° 5.948 de 26 de outubro, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que estabelece princípios, diretrizes gerais e específicas, além de ações de prevenção ao crime e de atendimento às pessoas traficadas. Em 2008, foi a vez do I Plano Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (PNETP), com validade de dois anos. O documento estabeleceu prioridades e metas a serem seguidas e cumpridas pelo Estado no enfrentamento ao tráfico. Atualmente, a segunda edição do PNETP está em fase de elaboração.

Mitos e verdades

Apesar de não ser exatamente uma novidade, quando o tema do tráfico de pessoas aparece, é comum que se pense em grupos criminosos bem estruturados, com tentáculos em diversas partes do mundo. Embora de fato estas organizações existam, o deslocamento de pessoas para fins de exploração no interior de fronteiras nacionais também é considerado crime de tráfico.

“É importante lembrar, que nem sempre as pessoas são traficadas por organizações criminosas transnacionais. Uma expressiva quantidade de gente nestas condições é submetida a esta prática criminosa, através de pessoas próximas, como familiares, colegas, vizinhos, companheiros, entre outros. A pessoa pode ser explorada no casamento servil, no trabalho escravo, tráfico de órgãos, tráfico de jogadores no futebol, entre outras formas e finalidades”, esclarece, novamente, Alessandra Page, do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Rio de Janeiro.

O tráfico de pessoas, que atinge os maiores índices nos países em desenvolvimento, não se restringe apenas a estes. Não são somente as pessoas de países com este perfil ou com baixo índice de escolaridade as únicas sujeitas ao crime. Efetivamente, ninguém está livre de ser traficado.

“Não existe um perfil da vítima deste tipo crime. O que se sabe é que alguns marcadores sociais (gênero, raça/etnia/classe social, identidade de gênero etc.) podem influenciar para vulnerabilizar por imporem relações desiguais em cada contexto social e cultural. Por exemplo, se ao Norte do Brasil existem mulheres pobres, mães solteiras, desempregadas, negras e/ou caboclas sendo as principais vítimas. No Sudeste, as principais vítimas podem ser mulheres brancas e/ou negras, de classe média, com curso superior e desempregadas. Não podemos estereotipar vítimas, pois podemos obscurecer outros grupos e outros tipos de fins do tráfico. Relacionamos muito o crime com mulheres traficadas para atividades sexuais forçadas. Daí esquecemos os homens traficados para trabalho escravo nas fazendas, nas fábricas têxteis, crianças para trabalho doméstico infantil, travestis e transexuais também para fins sexuais etc.”, explica a socióloga Danielle Figueiredo.

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