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31/10/2011, 17:23h | Direitos Humanos, Violência

Infância e conflitos armados

Por Raika Julie Moisés

“O moço do Bope entrou na minha casa e olhou tudo: armário, ar condicionado, gavetas. Ele perguntou para o meu pai quem eu era, quem era o meu irmão de nove anos, e todas as pessoas de lá. Eu tremia de medo no sofá! Está tendo operação, né?!”, disse, assustada, uma criança. Nas últimas semanas, estes relatos – sejam eles de crianças, adolescentes ou adultos – têm sido freqüentes no cotidiano dos moradores do conjunto de favelas da Maré. Balas perdidas, execuções, mortos e feridos. Estes são alguns dos danos diretos sofridos por populações que habitam locais onde os conflitos armados são freqüentes.

A presença ostensiva de policiais do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope) e a possibilidade real de um confronto armado.  alteram a rotina, limitam o direito de ir e vir de moradores e, muitas vezes, causam danos que necessitam de acompanhamento médico e psicológico. “A gente perde o sono e o apetite. A chegada da noite deixa a situação ainda mais desconfortável, porque não sabemos o que pode acontecer, nem como vamos amanhecer no dia seguinte”, desabafa uma moradora que preferiu não se identificar.

Aulas suspensas e comércio fechado

A professora do Ensino Fundamental de uma escola da Maré, Michelle Ramos, conta que o primeiro efeito percebido durante as operações é queda na freqüência dos alunos. “De uma turma de 25 alunos, já dei aula somente para onze. Muitas vezes, um tiroteio ou a própria ameaça de um conflito fazem com que a escola seja fechada antes do horário regular, no intuito de preservar os alunos e funcionários”, explica.

Apesar do cenário pouco animador, os conflitos não podem ser tidos como determinantes para caracterizar uma região e seus moradores. FOTO: Adair Aguiar

Apesar do cenário pouco animador, os conflitos não podem ser tidos como determinantes para caracterizar uma região e seus moradores. FOTO: Adair Aguiar

Apesar da pouca idade, muitos alunos incorporam as cenas de violência do cotidiano, nas brincadeiras e nas relações com os colegas. “Com ou sem operação ou períodos de conflito, percebemos que muitas crianças utilizam brinquedos para simular que estão manuseando armas ou que estão no meio de uma guerra”, observa, preocupada, a professora.

O fechamento da escola ou cancelamento das aulas acarretam preocupações muito maiores entre os educadores. “Em momentos como esse percebemos que há um aumento no número de faltas, a agitação entre os alunos é muito maior, os pais e professores também se sentem inseguros e tudo isso, além de causar uma sensação de eterna expectativa e ansiedade, viola um dos direitos básicos que é o direito à educação. Quando a situação é normalizada, as cenas presenciadas permanecem e, certamente, se mantém no imaginário de muitas crianças”, detalha Michelle.

Os efeitos colaterais  de que sofrem a população vão além da educação. A gerente da Unidade de Saúde da Família Gustavo Capanema, localizada na favela de Pinheiros, também na Maré, Vera Lúcia de Oliveira Quintela, reafirma as mudanças comportamentais dos moradores e pacientes da região. “Quando os membros da equipe ou pacientes se deparam com o blindado (caveirão) já chegam na Unidade de Saúde um pouco descontroladas e ansiosas. As crianças também ficam mais estressadas, com dificuldade para dormir ou se concentrar em atividades simples. Os casos de diabetes e crises de hipertensão se agravam consideravelmente entre os pacientes que já possuem estas doenças”.

Os efeitos colaterais e seus antídotos: características dos moradores da Maré
A pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz – vizinha à Favela da Maré -, especialista em saúde coletiva, Maria Cecília Minayo, destaca que, além dos impactos diretos e visíveis causados pela violência sofrida por moradores de regiões em momentos de conflito, há também manifestações silenciosas como medo, sentimento de insegurança, de perdas afetivas em casos de morte, convivência com pessoas acidentadas, com problemas físicos e psicológicos que necessitariam de reabilitação. “O processo todo é violento porque, como conseqüência, temos a diminuição do acesso aos serviços de saúde (sobretudo dos mais idosos) e, ao mesmo tempo, afastamento dos profissionais de saúde que não conseguem conviver com tanto risco”.

Minayo destaca que, por outro lado, a violência aberta, em si, também provoca outros problemas de ordem social que impactam a saúde, como dificuldades para remoção de doentes, desconfianças entre vizinhos e, freqüentemente, mais violência.

Apesar do cenário pouco animador, a pesquisadora ressalta que todos estes fatores não podem ser tidos como determinantes para caracterizar uma região e seus moradores. “Quando digo que não há determinismo, isso para mim é uma questão muito séria, pois não está escrito em lugar nenhum que uma pessoa que foi violenta não pode se recuperar. E nem que alguém que viveu nesse ambiente social tenha que repeti-lo indefinidamente. Em todos nós há um grau de liberdade para superar e dar a volta por cima e sei que isso acontece com quase todos os  moradores da Maré”, destaca a professora e pesquisadora.

Nota Pública sobre a ação do Bope na Maré

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